miércoles, 10 de noviembre de 2010

MACUNAÍMA: A TEORIA HISTÓRICA DO BRASIL



Mário de Andrade é considerado um escritor completo e inigualável, um dos maiores renovadores da cultura nacional na primeira metade do século XX . Iniciou pesquisas e cursos de etnografia e folclore, desenvolveu estudos da língua. Com a semana de Arte Moderna de 1922, da qual foi um dos organizadores, seu nome se projetou em todo o país como um líder do modernismo...

Enfim, com essa introdução nem tão “bajuladora”, mas sim até modesta se for levado em conta a tamanha importância que ele possui, tanto como formidável escritor, quanto de sua obra aqui citada: “Macunaíma o herói sem nenhum caráter”, ele torna-se fundamental para o entendimento da cultura brasileira como um todo , e também da própria evolução desta .

Como é conhecido, “ Macunaíma” nada mais é do que uma bem organizada cópia de vários outros livros que variam desde culturas de povos indígenas que viviam nas margens do rio Orinoco até livros que retratam, com um pensamento filosófico, a realidade do capitalismo (“Não tem senão dois capítulos meus no livro , o resto são lendas aproveitadas com deformação ou sem ela...” - Mário de Andrade in: “ A lição do amigo”) . Sendo assim, Mário de Andrade retrata nesse romance - que é classificado com “rapsódia” (soma de temas tirados do povo), a realidade vivida pela sociedade brasileira no começo deste século, em que se percebe, quando comparada, que não é muito diferente da vivida atualmente (o começo e a perpetuação da dominação de outras culturas sobre a brasileira).

O livro narra a história de um índio chamado Macunaíma (“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente... Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia...”) sua vida, seus “tropeços” e, em um determinado momento do livro, há uma ação que se torna o tema central do livro : a procura da pedra MUIRAQUITÃ - que nada mais é do que a própria cultura brasileira representada na forma de uma pedra muito preciosa , a qual somente as “índias amazonas” teriam acesso - somente estas sabiam onde encontrar e como encontrar - e que é também muito cobiçada pelos “estrangeiros” : os recém chegados italianos , que são representados por Venceslau Pietro Pietra. E , na luta entre Macunaíma e Venceslau é que o livro todo se desenvolve.

Mas, Mário de Andrade não queria tão somente escrever uma estória sobre as “peripécias de um índio”, este projeto era sobre algo muito maior e muito mais sério e real: a retratação real da cultura brasileira existente - se é que ela é existente (“Meu Macunaíma nem a gente pode bem dizer que é indianista. O fato dum herói principal de livro ser índio não implica que o livro seja indianista. A maior parte do livro se passa em S.Paulo. Macunaíma não tem costumes de índios, tem costumes inventados por mim e outros que são de várias classes de brasileiros. O que procurei caracterizar mais ou menos foi a falta de caráter do brasileiro... - in obra já citada). E para isso, fez uso dos livros de vários teóricos sobre esse assunto, mas são dois que exerceram uma real influência para a realização deste livro: Johann Gottfried Herder e Oswald Spengler.

Mário de Andrade utiliza a obra de Herder no que esta diz respeito à sua teoria sobre cultura. Herder defende a dialética da realidade - assim como Hegel e Marx - todas as coisas no mundo conhecem o processo de transformação. E, quando se faz um paralelo com “Macunaíma”, percebe-se o quanto isso é presente na história: a transformação passada pelo índio que começa como herói e ao final transforma-se no seu próprio inimigo - próprio vilão; é o considerado “anti-herói”. A transformação sofrida pelo personagem que começa como índio, que é uma representação do real povo brasileiro, e que quando vai para a cidade em busca da pedra Muiraquitã (que foi roubada por Venceslau Pietro Pietra), torna-se outro, é seduzido pelas novidades introduzidas pelos estrangeiros na cidade: fábricas, automóveis... E assim perde a sua ingenuidade para deixar-se levar pela cultura estrangeira. Mário de Andrade afirma que “o estrangeiro está na história para corromper. Este vêm para destruir uma cultura já existente” - e é o que realmente este livro afirma. Herder também afirma que uma determinada cultura é composta pelos seguintes elementos: geografia ( natureza) - raça - povo. A natureza é o molde da raça e, esta se manifesta através de uma determinada cultura. Com isto pode-se chegar a seguinte conclusão: que no Brasil, antes do descobrimento, já havia uma cultura - que era indígena - e que é a “real cultura do Brasil”, já que levando em conta essa teoria, a cultura aqui imposta pelos europeus é, logicamente, a deles e não é respeitada a ordem geografia - raça – povo, nessa imposição. Mas, pior que essa “obrigação” foi o que aconteceu com o passar do tempo: a aceitação/absorvição desta cultura estrangeira em lugar da cultura genuína brasileira, o que fez com que o Brasil fosse uma mera reprodução (muito mal feita, aliás) da cultura européia. E, para que esta argumentação fique melhor explicitada, é necessário que se exponha ao modo Herderiano de ver, o que é cultura: “ É a construção de um discurso simbólico, é o conjunto de informações reunidas por um povo”. Mário de Andrade faz uso desta definição no que diz respeito na própria organização textual do livro: ele utiliza toda a cultura brasileira - as denominadas “tradições regionais” - mesclando-as e o que deixa a mostra é a grande variação lingüística encontrada, o grande número de palavras que são sinônimos e que possuem uma estrutura gramatical completamente diferente, comprovando que a cultura popular é muito rica aqui (“tendência especializada em trabalhar a substância brasileira”) E, sobre esse fator língua, Herder também deixa bem exposto seu caráter nacionalista e que acompanha sua obra - e, claro “Macunaíma”. Para aquele, “A verdade de um povo está no idioma”. Esta afirmação ainda encontra força na argumentação da imposição européia: o português falado aqui é uma das “culturas” absorvidas pelo Brasil, que antes da colonização européia, falava as línguas indígenas. Enfim, essa afirmação de Herder deixa bem a mostra o já citado caráter nacionalista existente na obra de Mário de Andrade. É por essa importante característica que ele faz uso de suas teorias em “Macunaíma” - que se transforma também por isso uma biografia do Brasil (“principal objetivo da obra, que é estudar em profundidade o temperamento brasileiro”).

Mário de Andrade faz uso da teoria de Spengler no seu livro no que, também, diz respeito a cultura e a História de um povo. Segundo sua teoria, sobre a história, não existe a considerada “História Universal”, mas sim apenas “histórias nacionais” - e somente aqueles povos que possuíram uma verdadeira história é que conseguiram desenvolver uma cultura sólida: sem ou com uma ínfima interferência de outras culturas (geralmente, esses povos - que são, para Spengler, encontram-se entre 7 e 8 que existiram na face da Terra - dominadores e exploradores. Ou seja, a colonização é um fator muito importante, ou quase que determinante para que uma cultura exista e permaneça). Seguindo esse raciocínio e aplicando-o aqui no Brasil percebe-se que este não possui história, e por conseqüência, muito menos cultura ( havia, mas a absorção da imposta foi tamanha que anulou qualquer possibilidade de reação), e quando esta tentou a reação foi interceptada pela chegada dos italianos (começo do século XX), acabou não resistindo e cedeu por completo. Apesar de tudo isto, Mário de Andrade continuava acreditando no movimento Modernista e na guinada da cultura brasileira: “O Brasil é a civilização do próximo milênio, já que a Europa está morta...”.

Spengler ainda aparece em “Macunaíma” quando este se faz representar a “grande alma” brasileira - que é necessária para o desenvolvimento da história/cultura de um povo, porém, quando aquele vai para São Paulo e entra em contato com outra cultura absorvendo-a de maneira feroz, perde sua “brasileiridade”, e quando acontece o “afastamento das raízes, uma cultura morre” (Spengler, in: “A decadência do ocidente” ). E foi o que justamente aconteceu e que Mário de Andrade deixa exposto nessa magnífica obra. O teórico ainda possui um gráfico que condensa bem toda sua teoria sobre o desenvolvimento da história e da cultura:

Como já foi dito, para Spengler (e também de certa maneira para o próprio Herder) o nascimento da grande alma determina a geração de uma nova cultura que nasce e, quanto mais esta se afasta de suas raízes rurais e míticas, vai perdendo seu porquê de existir, morrendo. A decadência da cultura ocorre no ápice da industrialização, pois nessa fase não há mais qualquer lugar para o mítico, para o lúdico.É exatamente este o esquema desta obra modernista e sempre atual: Macunaíma nasce grande alma, conhece a civilização, decai abandonado pelos deuses da floresta e morre sozinho e inútil.

“Macunaíma o herói sem nenhum caráter” vêm mostrar que o Brasil já possuiu uma cultura própria riquíssima, mas que deixou-se enfeitiçar pelas “maravilhas” que a Europa proporcionou, e assim nossa cultura morreu. O próprio índio Macunaíma o qual iria criar a civilização brasileira não resistiu ...

Porém, Spengler também dá a solução para o problema do Brasil e das culturas da América do Sul: já que todas sofreram o mesmo “abafamento” através da colonização: deve ser implantado nesses países o sistema denominado de “Ócio Criador” que nada mais é do que o inverso do sistema europeu: a não acumulação de riquezas, portanto, o trabalho não sendo necessário, ajudaria a desenvolver uma maior criação da cultura. Deve-se essa característica ao caráter tropical destes países.

Enfim como pode-se perceber ao final desta analise das referidas teorias históricas, pode-se concluir que ambas - Herder e Spengler - estão muito interligadas, entre si e no próprio desenvolvimento da cultura ( em geral). O que se pode apreender ao final desta é que infelizmente a CULTURA BRASILEIRA FOI ASSASSINADA pelos europeus, que não conseguiram ver sua beleza, e que também e infelizmente, fomos muito fracos para tentar uma real reação: fomos Macunaíma.

Como disse o mestre: “Macunaíma chegou só depois de muito gesto heróico e muita façanha: a de viver o brilho inútil das estrelas do céu...”

Macunaíma: a teoria histórica do Brasil.
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/m00005.htm